Chefes de Portugal

“Grandes Chefes da História de Portugal”, publicado pela Texto Editores, é um trabalho de mérito que abre novos caminhos na investigação histórica no nosso país. Coordenado por Ernesto Castro Leal, professor e investigador de História Contemporânea na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e José Pedro Zúquete, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, traz-nos uma perspectiva nova, numa abordagem diferente, de importantes figuras da nossa História.


Até um apaixonado pela História – como eu, que a escolhi como área de formação – dificilmente consegue suportar os “complexos histórico-geográficos” e “socioeconómicos” da historiografia marxista. Esta predilecção pelo papel das “massas” como “motor da História” impregnou o ensino com as consequências que sabemos. Afastou o grande público desta matéria tão importante para nos conhecermos enquanto Povo e só recentemente começámos a livrar-nos desse modelo.
O regresso da História narrativa e biográfica voltou a despertar nos portugueses o interesse pelo seu passado comum e pelos homens que construíram. Prova disso é o aumento exponencial de títulos disponíveis e as suas vendas expressivas.

“Grandes Chefes da História de Portugal” tem um título chamativo para o público, que o entende à primeira sem necessidade de explicações, e incómodo para os quadrilheiros do politicamente correcto. Sempre ciosos do seu ‘index’ de palavras proibidas, estes últimos consideram “chefe” como algo ultrapassado, quando não perigoso. Mas, como é explicado na Introdução, “a interpretação que os organizadores deste volume dão à palavra ‘chefe’ é neutra. Embora a palavra tenha sido apropriada, quer pela direita (como factor positivo), quer pela esquerda (como denunciação e crítica), neste volume ela é vista essencialmente como um instrumento analítico para ajudar à compreensão de dinâmicas históricas em Portugal”. É, de facto, o que acontece. Não se espere aqui um álbum de cromos com os heróis da Pátria.

Este é um trabalho original, que junta diversos académicos, que se expressam num registo acessível, que abre novas portas à investigação. Em entrevista a O DIABO, Ernesto Castro Leal explicou o objectivo da obra: “Pretendeu-se que os diversos autores, a partir de um chefe (individual, colectivo ou imaginário) com qualidades paradigmáticas, abordassem os tempos históricos concatenados à acção dos chefes. Não há dúvida que, pela abordagem pioneira de alguns chefes ou pela reinterpretação de outros chefes, com base em novos modelos de análise, este livro é um ‘lugar funcional de memória’ historiográfica com muita novidade, algumas análises surpreendentes e caminhos abertos para continuar.”

A crítica fácil seria questionar a escolha deste ou de aquele “chefe”, apontando supostas “faltas”. É claro que há “faltas”, nomeadamente daqueles que gostaríamos de ver tratados. Mas essa é talvez uma das maiores virtudes deste trabalho, porque garante uma continuação.

Aqui podemos encontrar capítulos dedicados a “chefes” que esperávamos, como o de José Almeida sobre Viriato. No entanto, este está longe de ser uma entrada enciclopédica ou um exercício laudatório. Trata-se, pelo contrário, de um exemplo de “investigação de ponta”, como o considerou Ernesto de Castro Leal, na apresentação do livro em Lisboa. Também D. Nuno Álvares Pereira é apontado como o “Chefe Militar”, por João Gouveia Monteiro, e São Francisco Xavier como o “Chefe Jesuíta”, por António Júlio Trigueiros.

Da mesma forma, encontramos “chefes” que nunca nos ocorreriam, como é o caso da própria Constituição, considerada como “chefe” por Paulo Ferreira da Cunha. Outros casos que demonstram originalidade de escolha e novidade dos temas são Pêro da Covilhã, considerado o “Chefe Aventureiro”, por António dos Santos Ventura, ou os capítulos dedicados ao “Chefe Luso-brasileiro” ou à “Chefe Feminista”, por exemplo.

Outros casos que merecem destaque são os do “Chefe na Extrema-Direita”, onde Riccardo Marchi analisa uma área política que tanto necessita de um chefe, mas que nunca o encontrou verdadeiramente. Também o capítulo dedicado a João de Castro Osório, o “Chefe Fascista”, da autoria de Eduardo Cintra Torres, aborda uma figura ainda muito desconhecida entre nós. O capítulo sobre Franco Nogueira, naturalmente escolhido como “Chefe Diplomático” por Bruno Cardoso Reis, apresenta uma abordagem interessante sobre o papel do Embaixador.

O livro conclui com o excelente texto de José Pedro Zúquete, dedicado ao “Chefe Imaginário”, sobre o Sebastianismo em Portugal. Uma análise cuidada que termina com uma reflexão muito importante: “Reconhecer o contributo histórico do Sebastianismo não é cair no sentimentalismo fácil. Pelo contrário. É fazer o mais difícil. É pensar Portugal como um todo, em vez de o pensar de costas voltadas, seja para a razão, seja para o mito.”

Sem comentários:

Enviar um comentário