Ainda - e sempre - o abominável (des)Acordo

É de ler, no «DN» de ontem, o artigo de Vasco Graça Moura sobre o Acordo Ortográfico (AO), intitulado "Deveras decepcionado", no qual afirma que o "Acordo Ortográfico significa a perversão intolerável da língua portuguesa", que é impossível sustentar a sua vigência e aplicabilidade, acrescentando que o AO é inconstitucional. Um homem que, nesta questão, tem sido verdadeiramente incansável. Um exemplo. Há que continuar a denunciar o disparate do AO e defender a nossa Língua.

41 anos sem Ele

(27/4/1889 - 27/7/1970)

A Oliveira Salazar


Había algo de monje en su talante,

blanca la mano sobre el libro abierto,

la soledad fecunda del desierto,

camastro pobre, ayuno, verbo orante.

Algo de bravo caballero andante

que en sueños vive y a la vez despierto,

algo de asceta con el gesto yerto

o la sonrisa apenas anhelante.

No discute la patria, la defiende

de la usura sin rostros humanados,

cuando las hoces siegan los sembrados,

y al trigo blanco que del cáliz pende.

Para sí nada quiere, porque entiende

al poder como oficio de abnegados.

El cetro con la cruz van hermanados:

sólo el bullicio al gobernante ofende.

La nación es su casa solariega,

ese hogar lusitano junto al río,

su cátedra, su claustro, el labrantío.

Es el imperio de la fe andariega.

Señor de la mesura a quien no ciega

el aplauso mundano del gentío.

Sacrificio es mandar, pero el bajío

remonta al agua si el amor navega.

Tiene su acción el tono esponsalicio

de los antiguos reyes medievales,

sabedor de las normas teologales,

primero en el deber y en el servicio.

Tiene acaso en Platón su natalicio

en la aldea cristiana sus puntales,

el color de las frondas terrenales

la viril inflexión del epinicio.

Siempre de pie lo vieron en Lisboa

jerárquico en la acción y en el sosiego

entre Guinea, Mozambique y Goa.

Quieto el sol sobre Fátima se afila,

quietud de un pueblo en paz y sin trasiego.

Silencio todos: Salazar vigila.


Antonio Caponnetto

Comédias da Tragédia

Depois de muito reflectir, penso que o horror vivido na Noruega é suficientemente grave para me fazer opinar, de novo, no blogue destes Amigos. E começo, a propósito da expulsão do terrorista da Maçonaria que integrava, por estabelecer um paralelo com um caso relatado por Philippe Henriot. Numa conversa com um alto dignitário do Grande Oriente Francês, este garantia-lhe não haver um único dos seus pares envolvido no escândalo Stavisky. O interlocutor lembrou o nome de Dulimier. A resposta foi: «já lá não está!». Depois, veio à baila a identidade de André Hesse. Pois o pedreiro livre retorquiu que «o tinham posto de parte». Inevitavelmente se passou a René Renoult. O apologista da associação esotérica contrapôs «que o tinham excluído». Henriot não se conteve e aconselhou: «Monsieur, ainda deve restar um certo número de pessoas honestas na vossa associação. Façam-nas sair, será menos demorado do que fazer sair os outros».
O problema inicial está em esta fraternidade oculta e selectiva rejeitar sempre responsabilidades de crimes, seja pela diluição das autorias deles, como no Terror da Revolução Francesa, pelo abafamento das investigações, veja-se o Regicídio de 1908, ou ainda através das ostracizações dos seus rebentos mais consequentes, como nos casos vertentes. A expulsão dos criminosos declarados não pode ser censurada. Mas urgiria repensar o papel formador que os princípios ocultamente instilados neles desempenharam.
Porém, o jornalismo que temos não se importa. Compraz-se em soletrar a expressão vazia fundamentalista cristão, a propósito do infame Breivik, raro mencionando o seu apelo expresso contra o Papa e o Vaticano, ou a origem Protestante desse tal "cristianismo cultural" que se não sabe bem o que seja. Assim, pelo silêncio, mete-se no mesmo saco tudo o que é europeiamente religioso, de forma a não macular o laicismo da moda e a não favorecer com o arrolamento entre as vítimas, ainda que potenciais, a Hierarquia Católica. Nem vou já ao ponto de pedir aos nossos jornalistas e demais opinion makers que esclareçam ser a Vingança Templária, também presente no ideário assassino do dia, a fantasiosa legitimação preferencial destes irmãos discretos na aversão a Trono e Altar.
Outro pormenor escamoteado é o igualitarismo que também norteava o autor da triste proeza. Não só censurava o Brasil por esse ambiente propício à miscigenação ser, para ele, o segundo País de maior desigualdade social, como zurzia os privilégios que entendia estarem a ser distribuídos pelos imigrantes, na Europa. Mal vai quem olha com inveja para o que o Outro é ou tem...
Mas também o público comum e inocente não está isento, malgré lui, de um colaboracionismo acabrunhante com o atentado: as Jovens declarando terem um fascínio pelo assassino quase igual ao repúdio e os comentadores salientando-lhe a pretensa loucura mais não fazem que carimbar o atestado de decadência total de uma civilização incapaz de reconhecer a Culpa, sem minorações ou magnetismos branqueadores.

O terrorista sem atenuantes

Ainda não percebi por que a imprensa vislumbrou no atentado do maçon de Oslo um molho de razões para denegrir os movimentos ascendentes do nacionalismo e da extrema-direita. Anoto, porém, uma conclusão óbvia: as "perigosas generalizações" que nos dizem para evitar quando os criminosos professam o islamismo parece que já se podem gastar à tripa-forra sempre que os autores são cristãos.

“Os políticos querem institucionalizar a asneira na língua portuguesa”

Contra o disparate do Acordo Ortográfico há que não baixar os braços. Aqui fica a entrevista que fiz a Vasco Graça Moura e que foi publicada no “O Diabo” da semana passada.

Escritor, tradutor e eurodeputado durante dez anos, Vasco Graça Moura tem sido um incasável opositor ao Acordo Ortográfico (AO) desde o início da polémica sobre a sua adopção. Alertando sempre para as consequências nefastas do AO, publicou em 2008 o livro “Acordo Ortográfico: A Perspectiva do Desastre”. Recentemente apelou ao novo Governo que suspendesse a sua aplicação. O DIABO, jornal que recusa o AO, entrevistou-o.


Sempre foi um feroz opositor ao Acordo Ortográfico (AO) e recentemente apelou ao novo Governo que suspendesse a sua aplicação. Porquê?
Porque me pareceu que este Governo tinha todas as condições para agir com sensatez na matéria. Infelizmente, o que li no seu programa é muito decepcionante e mostra que o Executivo não percebeu. Nem de perto nem de longe, o que está em jogo.

Acha que existe uma real possibilidade deste Governo suspender o AO?
Acho que sim, mas é cada vez mais remota.

Como já afirmou, juridicamente ainda não está em vigor…
Esse é o meu entendimento: um tratado internacional, para entrar em vigor e produzir efeitos, tem de ser recebido na ordem interna de todos os Estados que o assinaram. Ora o AO não foi ratificado pelo menos pela República Popular de Angola e pela República Popular de Moçambique.

Não tem poupado críticas ao AO, chamando-lhe mesmo “abominável”. Acha que não há a percepção das consequências da sua adopção?
Este é um dos casos em que os políticos deveriam atentar nos pareceres especializados, como fazem para um aeroporto ou para o TGV. Não o fizeram, não percebem o que andam a fazer e querem institucionalizar a asneira na língua portuguesa…

Que responde àqueles que o acusam de ser “fundamentalista” ou “retrógrado”, dizendo que o português é uma “língua viva”?
Sugiro-lhes que não sejam parvos e pensem um pouco na língua que dizem falar. Mas não penso gastar o meu latim com eles.

Parece que no caso do AO se ignoraram as críticas de vários especialistas e os protestos de tantos cidadãos apenas porque são contra. Concorda?
Só há posições contra. Existem pelo menos nove pareceres altamente qualificados contra o AO. A favor dele não há nenhum. Mesmo no Brasil reconhecem que está cheio de vícios. Só os autores materiais da coisa é que são a favor. Há dezenas e dezenas de milhares de cidadãos que protestaram. Mais de 130.000!

Foi uma imposição?
Foi uma patetice cujos responsáveis não querem dar a mão à palmatória

O que é possível fazer para parar o AO?
Apelar ao bom senso dos governantes e das Academias e levar à suspensão com vista a uma revisão do texto. Esperar pela criação do vocabulário ortográfico comum, elaborado com intervenção de todos os países subscritores. Guardar a ratificação pelos países que ainda não o ratificaram.

Não é uma guerra perdida?
Espero que não seja.

Acha que é importante haver meios de comunicação, como “O Diabo”, que se recusam a adoptar o AO?
Acho essencial: é um verdadeiro exercício de cidadania.

Vai continuar a publicar as suas obras segundo a ortografia actual, mesmo que a editora adira ao AO?
Ponho sempre como condição o uso da ortografia em que escrevo.

S. M. o Imperador Otão de Habsburgo

20 de Novembro de 1912 - 4 de Julho de 2011

Presidente Juan María Bordaberry RIP


Foi com grande tristeza que recebi a notícia da morte - hoje - de Juan María Bordaberry, presidente do Uruguai entre 1971 e 1976. Aos oitenta e três anos, estava doente e já levava vários anos "arrecadado" pelo neo-marxismo maçom de ex-guerrilheiros e terroristas, que agora dão as cartas nesse patético cone sul. Bordaberry não conta com o favor dos media ditos de referência, os quais já estão eufóricos, a debitar por todos os orifícios os epítetos peçonhentos de costume. Nascido e criado num país feito - literalmente - com esquadro e compasso, o antigo estadista formou-se no demo-liberalismo vigente, foi senador, ministro e, em época de violência política terrorista e guerrilheira, em conformidade com todos os cânones democratíticos, é eleito presidente da república com mais de quarenta por cento dos votos. Entre bombas e tiros não tardou em comprovar a incompatibilidade entre o exercício da liberdade "liberal" e a manutenção da ordem e da paz no interior da sociedade. É que para impor a ordem e assegurar a paz era necessário restaurar a autoridade... Apoiado nas Forças Armadas Bordaberry atacou em cheio os três mitos do sistema: a soberania do povo, o sufrágio universal e a partidocracia. Fechou o Parlamento e enviou os profissionais do palratório descansar à casa, suspendeu os partidos políticos, introduziu princípios orgânicos e corporativos, garantiu - à moda de García Moreno - a liberdade para o bem e para os praticantes do bem, e combateu o resto. Restaurou a autoridade, e com ela a ordem e a paz, condições indispensáveis para uma sociedade empreender o caminho do autêntico bem comum. Purgando-se do liberalismo da juventude Juan María Bordaberry percorreu um caminho longo mas firme que o levou à Tradição Católica e Monárquica - esta na sua vertente Carlista. Suas três Verdades foram: Deus - Pátria - Rei. "Deus, porque não podem existir instituições que não se fundamentem no direito natural, o que supõe rechaçar as soberbas construções do homem que a contradigam; Pátria, porque a sociedade dos homens tem que professar um amor profundo e permanente ao lar, de onde extrai a força para resistir aos embates do mal; e Rei, porque quem é que pode imaginar uma autoridade que não tenha de prestar contas a Deus?". Em 1976 a alta cúpula militar recusa a institucionalização da nova ordem política projectada por Bordaberry, demitindo-o da presidência e tomando para si o comando do Estado. E o que se viu, mais do que o regresso aos erros e vícios do passado, foi a conquista do Estado pelo marxismo. Meus pensamentos e minhas orações estão hoje, muito especialmente, com este católico exemplar, homem íntegro, que deu tudo de si para reconduzir a sociedade cisplatina no caminho do bem. A Bordaberry bem se ajustam as palavras paulinas: "Combati o bom combate, terminei a carreira, guardei a fé". Vencido no mesquinho mundo dos homens, não tenho dúvida de que já recebeu a recompensa infinita na Paz de Deus.

Sugestão para um Domingo eleitoral


Porque hoje escolhe-se o jefe de gobierno da cidade de Buenos Aires, quem melhor do que Philippe Noiret, Ugo Tognazzi, Adolfo Celi, Gastone Moschin e Duilio Del Prete para sugerir a maneira adequada de tratar a politicalha profissional? E como apetece!

A desratização que se impõe


O burocrata é, no simplismo e também por vezes na justeza dos juízos populares, o homem inútil que se compraz em multiplicar as formalidades, encarecer as pretensões, amortalhar em papéis os interesses, embaraçar os problemas com as dúvidas, atrasar as soluções com os despachos, obscurecer a claridade da justiça em nuvens de textos legais, ouvir mal atento ou desabrido as queixas e as razões do público que são o pão, ou o tempo, ou a fazenda, ou a honra, ou a vida da Nação perante o Estado e a sua justiça; trabalhar pouco, ganhar muito e certo; sem proveito nem utilidade social, parasitariamente, sorver como esponja o produto do suor e do trabalho do povo.



António de Oliveira Salazar - 5 de Outubro de 1940



Que diria o Mestre se visse o país exíguo de Estado obeso, com as suas infinitas comissões e fundações, com as suas legiões de boys, com a prepotência novoriquista parida pela corrupção como regra de vida?

PORTUGAL

Este mendigo, outrora, era um menino d'oiro,
Teve um Império seu, mas deixou-se roubar.
Hoje, não sabe já se é castelhano ou moiro
E vai às praias ver se ainda lhe resta o mar!

ANTÓNIO MANUEL COUTO VIANA
(1923 — 2010)

Poema à Pátria

Amar la patria es el amor primero
Y es el postrer amor después de Dios
Y si es crucificado y duradero
Ya son uno los dos, ya no son dos.
Amar a la patria hasta jugar el cuero
Del puro patrio Bien Común en pos
Y afrontar marejada y majadero
Eso se inscribe al crédito de Dios.
Dios el que nadie vio, Dios insondable
De todo cuanto es Bello oscuro abismo,
Sólo visible por oscura Fe.
No puede amar por mucho que de Él hable
Del fondo de su gélido egoísmo
Quien no es capaz de amar ni lo que ve.

Pe. Leonardo Castellani
(1899-1981)

Reciclável?

Lixo. Nada mais do que isso. É assim que uma boa parte dos especuladores financeiros internacionais - i.e., o mesmíssimo imperialismo internacional do dinheiro - vê o que resta de Portugal. Regressámos em grande estilo aos anos vinte do século passado, quando na Europa francófona um novo verbo, portugaliser, significava arruinar qualquer empresa... E que contraste com o Portugal que pôe-se de pé, torna-se modelo de gestão das finanças públicas e agiganta-se pela mão de "um tal Salazar de Coimbra" - o mesmo que ensinou a Ludwig Erhard, pai do chamado milagre alemão do pós-guerra, como arrumar a casa.

Caldo de Cultura (XVIII)


Para aproveitar o calor estival, o almoço das quintas mudou-se excepcionalmente para uma esplanada lisboeta. A mudança teve diversas vantagens, entre as quais a possibilidade de admirar as curvas da cidade, cuja beleza nunca deixa de nos surpreender. Presentes estiveram três Jovens: o Duarte, o João e o Miguel, com os respectivos livros. Como habitualmente, o desafio é descobrir quem levou o quê.

Carlos


Carlos tem tudo para se tornar um objecto de culto do cinema europeu. Rodado em nove países, falado em oito línguas diferentes, apresenta um realismo e um detalhe assombrosos para uma obra que se propõe atravessar 30 anos da vida do terrorista. Para isso contribui o talento e o magnetismo de Édgar Ramírez, o actor venezuelano que dá corpo a Carlos e que será sem dúvida um dos maiores actores do mundo num futuro próximo. Contribui também o facto deste filme fugir a julgamentos, tão comuns como indesejáveis neste género cinematográfico.

Pelo meio, há uma ideia que fica, principalmente para alguém da minha geração, que aprendeu a ver a Guerra Fria como coisa do passado. Com uma ou outra excepção, o terrorismo europeu acabou com a queda do Muro. No entanto, durante décadas, à esquerda como à direita, grupos radicais foram alimentados e apoiados pelas super-potências da Guerra Fria como parte de diferentes estratégias de tensão. Apesar da imagem romântica de combatente internacionalista, Carlos — como tantos outros militantes mais ou menos idealistas da sua geração — nunca passou de uma marioneta em jogos de poder.

Em defesa da nossa Língua

Ao contrário do que muitos nos querem fazer crer, a questão do Acordo Ortográfico (AO) – exactamente por gerar tanto desacordo – está longe de estar terminada. No início deste novo ciclo, que se pretende de mudança política, onde tanto está a ser “reavaliado” e a atitude parece querer ser diferente do ilusionismo socrático predecessor, este é um ponto que devia estar na ordem do dia.

Foi exactamente neste sentido que apontou António Emiliano, professor de Linguística na Universidade Nova de Lisboa e um dos maiores (honra lhe seja feita) denunciadores do disparate que é o AO. Num artigo publicado no jornal “Público”, tomando como exemplo a reavaliação da construção do aeroporto de Alcochete, questionou: “Terá a língua menos valor, peso ou importância para Portugal e para as gerações vindouras do que um aeroporto?” Os assuntos complicados podem e devem ser apresentados de forma simples para que todos percebam. É aqui que Emiliano acerta na ‘mouche’.

Também Vasco Graça Moura, outro incansável contra o “abominável” acordo, nas suas palavras, afirmou que o actual Governo "deve voltar atrás e suspender a aplicação do AO", lembrando que "juridicamente não está em vigor".

Uma medida que urge “reavaliar”. O AO é inútil, desnecessário e catastrófico. A sua suspensão seria uma excelente e oportuna medida do novo Executivo.

Neste jornal faremos o que nos compete na defesa da nossa Língua e, tal como em tantos outros meios de comunicação, continuaremos a escrever em português e não em “acordês”.

Editorial da edição desta semana de «O Diabo».

Classe magistral


Se querem ver como se dança o tango, então só resta assistir ao Maestro Juan Carlos Copes, que há pouco festejou oitenta anos muito bem vividos. Como tanguero à antiga, de tomo y lomo, imagino-o bom apreciador da "água-da-vida" gaélica. À maneira do Johnnie Walker: still going strong!

Da Série «Abertura da Época Balnear»

Desmontando Chavões — Rasgando Clarões

Um chavão — um nome assim tão feio... — só pode servir para ser desmontado, e banido. Dizem os entendidos, em sociologia e outras ciências modernaças à brava, que «as amizades devem ser cultivadas». Bonito. Tocante, até. Mas não, não é. As relações interesseiras — mas nada interessantes — talvez se pautem por essa bitola pequeno-burguesa, aviada na cartilha das boas maneiras de bolso, para arrivistas. Por outro lado, ou melhor: mais acima, as pessoas — a gente que (ainda) é gente — não precisam de conselhos nem de cuidados desses para se relacionarem. É mesmo aqui, cá para mim, et pour cause, que os melhores vêm ao de cima — destacando-se da turbamulta —, distinguindo-se pelo génio intuitivo dos seus carácteres.
Assim, só aos totalmente livres de grilhetas conformistas é acessível retomarem conversas entre iguais, com pessoas semelhantes, em que arde por dentro, desde sempre, a mesma chama. E chama não rima com chavão, mas sim com chamamento. Se essas pessoas, por azar, não trocarem palavras entre si, há dez anos, ainda para mais não se vendo, apartadas pela distância, mas — subitamente, num repente! — houver um clique e um interruptor reabrir os canais de comunicação, que para sempre pareciam vedados, ou até rasgar outros e novos caminhos, e a conversa começar a fluir, como que por milagre, jorrando as palavras da mesma forma que correm os rios por entre as florestas virgens... — então, aí, saberemos que a regeneração existe e está ao alcance do homem superior. Faz parte, no entanto, dos mistérios da criação, pois pertence esta matéria à ordem dos insondáveis acasos, vedados às explicações da razão humana. Saibamos receber estes momentos especiais como dádivas que nos ajudam a iluminar essa noite escura que o lado mais sombrio da nossa existência terrena é.
Sigamos a estrada. Não tenhamos medo.

Português inteiro

Tanto patriotismo aí todos os dias se desbarata em génios e comentadores, e nenhum se move em favor da língua materna. Um ror de movimentos, até do foro político, para defesa dos animais em perigo — e ninguém acode às palavras em vias de extinção. Digam-me em verdade se há algum país do mundo, do Vietname à Islândia, onde assim se tripudie sobre o idioma. De dia para dia se sente a introdução de mais uma barbaridade, dentro em pouco repetida por todas as bocas e martelada em todos os teclados.


No meio deste desconcerto glótico a gente gargalha ao pensar que o Diário da República — o mais mal escrito dos nossos periódicos — é que nos vai impingir por decreto a escrita harmoniosa e bela. Um Estado omnipotente, omnipresente e omnisciente, mais tarde ou mais cedo, sentir-se-ia tentado a nomear um chefe de repartição da vernaculidade, ainda que o funcionário incorra amiúde no vício do solecismo. A resolução do Conselho de Ministros que determina a aplicação do Acordo Ortográfico nas escolas a partir do ano lectivo de 2011-2012 é um fartote. Só entre a segunda e terceira frases há sete palavras terminadas em –ão, decerto para dar um sabor popular ao texto. Talvez o legislador não saiba exprimir-se de outro feitio. Mas é precisamente por isso que lhe falta legitimidade para impor a norma.
O português é riquíssimo. Isso de não há palavras que descrevam é muleta de quantos ignoram o manancial da língua. O velho rifão que assegura valer mais uma imagem do que mil palavras tem, à certa certeza, raiz estrangeira. Em português podem às vezes as palavras, desde que bem emparelhadas, valer mais do que qualquer figura, ainda que retocada no Photoshop.
Escrevo este postal depois de saber que os calistos elóis e as ifigénias do ministério dispensaram Camilo Castelo Branco dos programas escolares. Mau aluno do mestre de S. Miguel de Seide, lamento e protesto. Sem Bernardes ou Camilo, sem Aquilino ou Tomás de Figueiredo, fica o português entregue aos gabirus de extracção moderna, nobelitados ou por nobelitar. Uma tristeza pegada.

Dureza de Ouvido

Tão afastado estou delas que nem dei, atempadamente, pela passagem do Dia das Redes Sociais. Detesto-as. Desde logo por as tomar como culpadas do declínio blogosférico. Mas muito mais. Porque o tipo de Leitura que veiculam é o do ruído caro a quem não quer estar sozinho, o do alívio de ser encontrado e contactado por indivíduos que a curiosidade ou o acidente hajam feito cruzar-se com cada qual. É o contrário do acto de ler como descoberta, o da procura detida e continuada, aquele que traz a nós as interpelações da Sensibilidade e do que não é superficial, num certo sentido, as das Vozes do Silêncio. Que são todas as que não queremos ouvir, por nos puxarem para fora da banalidade quotidiana que, contudo, a tantos deixa na boca sabor a pouco. O Silêncio dos Mortos que nos fizeram, o das profundezas oceânicas para o Comandante Cousteau, o da Arte, segundo Malraux, como aqueles que tememos, por exemplo o do nosso remorso; e Os Que desejamos protelar ou, ao menos momentaneamente, esquecer, como o de Deus. Silêncios que só existem para quem não quer ouvir os chamamentos das respectivas origens, por não nos sossegarem ou anestesiarem, opostos que são à demanda acéfala da inconsciência que triunfa nestes tempos da Sarjeta.
A imagem é Gárgula, de CayshaDe Anrique Paço D´Arcos:

ELEGIA DO SILÊNCIO

Silêncio, voz sem fim das coisas mudas,
Do coração que eu tenho e Deus me deu;
Voz do luar morrendo sobre as ondas,
Das árvores que se erguem para o céu.

Silêncio, cinza que foi chama ardente,
Foi oração, foi canto de alegria;
Voz da vida que finda lentamente,
Da morte que em silêncio principia.

Voz de tudo o que existe e não tem fala,
Voz do incenso que sobe em oração,
Como o doce profundo que se exala
Das rosas esfolhadas pelo chão...

Voz das lágrimas tristes, voz do pranto
Nas faces magoadas pela dor;
Voz do dia ao morrer cheio de encanto,
Na agonia da luz desfeito em cor.

Voz oculta de tudo quanto existe,
Voz dos mundos cruzando-se nos céus;
Voz da alma que eu sinto e é tão triste,
Silêncio, voz de Além, a voz de Deus...